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hikafigueiredo

“A Companhia dos Lobos”, de Neil Jordan, 1984

Filme do dia (15/2024) – “A Companhia dos Lobos”, de Neil Jordan, 1984 – Rosaleen (Sarah Patterson) é uma adolescente de quatorze anos que, após a morte precoce de sua irmã Alice, vai passar uns dias com a avó (Angela Lansbury), em uma casa no meio da floresta. A avó conta histórias sobre lobos para a menina e vaticina que os piores lobos são aqueles peludos por dentro. Rosaleen anseia por saber mais sobre os lobos, quaisquer que sejam eles.




 

Baseado em um conto de Angela Carter, o filme faz uma releitura sombria e repleta de simbolismos da conhecida história de Chapeuzinho Vermelho. Aqui, lobos dão lugar a lobisomens e a relação entre a menina e o lobo passa a ser uma alegoria das descobertas da juventude, dentre as quais o desejo sexual, o medo e a culpa. A narrativa começa com um breve prólogo que nos remete a outra célebre história fantástica – Alice no País das Maravilhas. Não é à toa que a irmã mais velha de Rosaleen se chama Alice, já que, neste prólogo, teremos várias referências à obra de Lewis Carroll (o relógio, a casa de bonecas, o coelho) e ao filme homônimo de Jonathan Miller, de 1966 (maravilhoso, por sinal). Após tal prólogo, passamos a acompanhar Rosaleen, uma garota de quatorze anos que desabrocha como adolescente. Ela escuta as histórias de sua avó, histórias essas que fazem referências a diversos tipos de lobos. A avó alerta a menina: não saia da trilha, tenha cuidado com o lobo, os piores lobos são aqueles peludos por dentro – não é difícil captar a clara conotação sexual daquelas palavras, que nada mais são que avisos para que a garota não se entregue aos seus desejos sexuais e não tenha contato íntimo com os homens, aqui ressignificados através da metáfora do lobo/lobisomem. A menina, por sua vez, flerta constantemente com o perigo... ela passeia pela floresta, esconde-se, provoca; ela assume um comportamento errático, por vezes acatando as palavras da avó, por outras testando seus próprios limites e ousando um pouco mais. Tudo no filme é alegórico e remete à descoberta da sexualidade versus a repressão do desejo sexual. A narrativa tem um formato incomum, pois são histórias dentro de histórias, dentro de histórias, de maneira que não faz muito sentido em falar de linearidade. Existe uma alternância de ritmo igualmente inusual, que vai do mais moroso até o eletrizante. A atmosfera é fantástica, onírica, mas de uma maneira sombria, que tende ao pesadelo, ao perturbador – existe uma constante tensão no ar, inclusive sexual, mas não somente. A fotografia colorida é muito contrastada, com muitos claros e escuros – as sombras tornam-se, por vezes, assustadoras, pois qualquer coisa pode surgir delas. A cor vermelha predomina ao longo da narrativa – é a capa de Rosaleen, é o sangue recorrente, são as flores, instigando a paixão e o desejo sexual. O desenho de produção cria um ambiente fantasioso, de conto de fadas, mas com pitadas de terror. O elenco traz a quase desconhecida Sarah Patterson como Rosaleen – a atriz mirim está perfeita, pois ela consegue ser inocentemente sedutora em sua personagem; Angela Lansbury interpreta a avó, a voz da razão e da repressão, que busca tolher os passos da jovem Rosaleen; David Warner interpreta o pai e Tusse Silberg, a mãe. Claro que, sendo filme de Neil Jordan, teremos a presença de Stephen Rea, o queridinho do diretor, aqui como o jovem noivo (de uma das histórias contadas). Micha Bergese interpreta o suposto caçador e Terence Stamp faz uma microponta como ninguém menos que o próprio Diabo. Ah, os efeitos especiais não chegam a ser tão bons como os de “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), mas têm lá seu charme (não são super-realistas, mas conseguem trazer certa graça à história). Eu fui muito surpreendida pelo filme, não esperava tanto dele: ele é instigante, envolvente, perturbador e até mesmo um pouco angustiante. Eu curti pacas e recomendo.

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