Filme do dia (18/2024) – “A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier, 2021 – Julie (Renate Reinsve) é uma jovem inteligente e bonita que conhece o quadrinista Aksel (Anders Danielsen Lie), bem mais velho que ela. Eles começam um relacionamento, mas, depois de algum tempo, a indecisa Julie conhece Eivind (Herbert Nordrum), e, subitamente, sua antiga relação parece não mais satisfazê-la.
Nesse drama bem construído, o diretor Joachim Trier vai levar a protagonista Julie a um árduo e doloroso caminho de autodescoberta através de diversos elementos externos a ela, pois é por meio de seus relacionamentos que a personagem acaba definindo o que pertence ou não a ela própria. Dividida em quatorze partes – um prólogo, doze capítulos e um epílogo -, a obra acompanha alguns anos da vida de Julie, nos quais a indecisão e indefinição dão a tônica. As dúvidas da protagonista abarcam todas as esferas de sua vida: ela não se decide profissionalmente, mesmo mostrando-se aluna brilhante em qualquer curso que se proponha; ela passa de relacionamento a relacionamento, sem aquietar lugar onde quer que seja; ela tem dificuldade em colocar-se perante seu pai ausente. Sem perceber, Julie segue o fluxo da vida sem se reconhecer nele, apenas seguindo suas emoções erráticas. No entanto, algo muda quando Julie sente-se dividida entre Aksel e Eivind e passa a sopesar ações, expectativas e decisões a eles relacionadas – é o momento de ruptura no qual Julie começa a reconhecer suas questões e seu pertencimento e, ainda que vagarosamente, passa a se perceber até finalmente se entender como pessoa única e individual. A narrativa é linear, pontuada, em parte, por uma narração em off indefinida (no sentido de não serem colocações da própria personagem). O ritmo é marcado, mas bastante desigual, com momentos mais lentos e outros mais vigorosos. A atmosfera começa leve, gostosa, mas vai ganhando peso ao longo da narrativa, tornando-se, por vezes, dolorosa, sombria e angustiante. Ainda que o desfecho sugira uma paz – não acho que seja spoiler dizer que ela vai se encontrar finalmente -, confesso que bateu em mim um certo mal-estar, como se houvesse uma perda de brilho, de inocência e de sonhos no processo de autodescoberta de Julie (hmmm... talvez eu deva voltar para a terapia...). Formalmente, a obra é bastante criativa, com diferenças bem marcantes entre alguns dos capítulos: o prólogo, por exemplo, é extremamente ritmado, se comparado aos demais; há um capítulo em que toda a ação externa à protagonista “congela” e só ela se movimenta, dando ênfase a um dos momentos de ruptura de Julie; no capítulo da “viagem” de Julie, diversas questões da personagem são referidas – maternidade, envelhecimento, relacionamentos amorosos, relação com o pai -, através de suas alucinações; como se percebe, há uma grande heterogeneidade entre as diferentes partes da história. Falando do elenco, temos um trabalho primoroso de Renate Reinsve como Julie – a cena dela na livraria quando recebe informações de Aksel já mereceria ser destacada, mas essa é apenas uma pequena parte do grande trabalho de interpretação da atriz, que consegue trazer muita legitimidade e sinceridade nas indefinições e buscas da personagem; pela sua interpretação, a atriz foi agraciada com o prêmio de Melhor Atriz em Cannes (2021); Anders Danielsen Lie me sensibilizou demais por sua atuação como Aksel – as últimas cenas do personagem são extremamente duras e o ator consegue imprimir uma doçura, um sentimento, muito marcantes; Herbert Nordrum também faz um bom trabalho, mas há que se considerar que o personagem Eivvind exige bem menos que os personagens Julie e Aksel; no elenco, ainda, Maria Grazia Di Meo interpreta Sunniva. Comecei a assistir a obra com uma expectativa bastante alta por conta de algumas críticas de amigos e devo dizer que ela não me decepcionou – é um filme coerente, muito bem feito, que envolve, sem ser apelativo (tem aquela frieza de cinema nórdico, sabe?). Eu gostei demais e recomendo. Atualmente (fev/2024), está em streaming no Prime Video.
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