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hikafigueiredo

“A Semente do Fruto Sagrado”, de Mohammad Rasoulof, 2024

Filme do dia (03/2025) – “A Semente do Fruto Sagrado”, de Mohammad Rasoulof, 2024. Teerã, 2024. Após uma promoção que o levou ao cargo de juiz investigativo, o funcionário público Iman (Missagh Zareh) depara-se com manifestações por todo o país contra o regime teocrático iraniano. Dentro de sua casa, a despeito do orgulho sentido por sua dedicada esposa Najmeh (Soheila Golestani) por sua promoção, suas filhas Rezvan (Masha Rostami) e Sana (Setareh Maleki) mostram-se mais interessadas na situação política do país. Quando sua arma desaparece dentro de casa, Iman fará de tudo para descobrir o responsável.





Sou, assumidamente, fã de carteirinha do cinema iraniano. De Asghar Farhadi a Abbas Kiarostami, passando por Jafar Panahi, Mohsen Makhmalbaf, Marjane Satrapi e Majid Majidi, o cinema iraniano mostra-se sólido, autoral, sensível e extremamente humano, retratando uma sociedade complexa, onde a rigidez de um regime teocrático e o fanatismo religioso de alguns grupos e indivíduos entram em rota de colisão contra um povo generoso, que, por vezes, chega a ser ingênuo (pelo que verificamos através das narrativas cinematográficas de tais realizadores). Sem conhecer o trabalho do diretor Mohammad Rasoulof, mas bastante animada devido às críticas muito positivas recebidas por este filme, fui conferir a obra e, mais uma vez, confirmei a qualidade do cinema iraniano. O filme é SENSACIONAL!!! Aliando crítica social, drama familiar e um thriller tenso e impactante, a obra foi uma surpresa deliciosa de se ver! A história começa acompanhando o personagem Iman, o qual acaba de ser promovido a juiz investigativo em Teerã, supostamente graças à competência de seu trabalho. Orgulhoso de sua trajetória profissional, Iman celebra o feito com sua esposa – a qual se mostra satisfeita e igualmente orgulhosa – e suas duas filhas – que não revelam o mesmo ânimo e não compreendem o motivo de tanto alarde. Logo nos primeiros dias na nova função, Iman enfrenta inúmeras manifestações pela cidade de Teerã, principalmente de jovens estudantes desgostosos com o regime teocrático instalado no país. Iman rapidamente revela uma fidelidade canina ao regime, de forma a cumprir cegamente os ditames do governo, condenando à pena capital todos aqueles denunciados por se oporem ao regime. Quando uma amiga de sua filha Rezvan é ferida em uma manifestação e presa injustamente, Iman enfrentará o repúdio de sua família. O desaparecimento da arma de Iman, levará a um recrudescimento das relações familiares. Seguindo o estilo de Asghar Farhadi, o diretor Rasoulof começa a narrativa com um evento cotidiano que, paulatinamente, ganha contornos mais sérios, modifica situações, agravando-as, num claro movimento “bola de neve” – algo menor que ganha, aos poucos, dimensões titânicas e profundamente trágicas. É um filme que arrebata ao mesmo tempo em que instiga o espectador. Através de sua narrativa sólida, tratam-se temas como obediência, submissão, insubordinação, justiça, indignação, respeito, medo, coragem e covardia, dentre outros. Destaco, ainda, a questão do machismo estrutural – que, se na cultura ocidental já é arraigado na sociedade, imagine nas culturas orientais, muito mais rígidas e tradicionalistas. O roteiro do filme é irretocável – essa gradação de gravidade de ações e consequências já mencionada é realizada magistralmente, sem qualquer salto ou interrupção, acenando com a tragédia que irá se abater sobre os personagens. Tecnicamente, o filme também não merece qualquer reparo, pois é tudo minuciosamente construído para seduzir o público, que fica inebriado com o conjunto da obra. Para completar, o quarteto de intérpretes traz naturalidade e densidade aos personagens – todos ali são complexos e profundos, não existe nada superficial e “fácil”. Eu já escrevi demais e queria continuar escrevendo porque o filme é incrível de bom, mas não vou me estender para não dar spoilers. Eu AMEI e recomendo muito. Atualmente em cartaz nos cinemas mais “alternativos” de São Paulo (e, acredito, de outras cidades). Ah... foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri em Cannes (2024).

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