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hikafigueiredo

“Adam e Paul”, de Lenny Abrahamson, 2004

Filme do dia (153/2023) – “Adam e Paul”, de Lenny Abrahamson, 2004 – Ao longo de um dia, Adam (Mark O’Halloran) e Paul (Tom Murphy), amigos de infância e viciados em heroína, vagam pela cidade de Dublin atrás de bebidas e drogas.





Como na sua obra imediatamente posterior – “Garagem” (2007) -, o diretor Lenny Abrahamson retrata personagens que se encontram à margem da sociedade irlandesa em um momento de especial crescimento econômico no país. Segundo o próprio diretor, a intenção era evidenciar que a abundância proporcionada por uma economia em alta não alcança toda a sociedade e que parte de população permanece na miséria, sob péssimas condições de vida e nenhuma perspectiva. Ainda que eu concorde com o diretor – numa economia capitalista, qualquer que seja ela, a renda se concentra nas mãos de poucos e o efeito de eventual crescimento econômico jamais alcança toda a população -, confesso que não acho que ele tenha escolhido a melhor forma de demonstrar isso ao retratar, especificamente, dois viciados em heroína. Okay, certamente as dificuldades financeiras e a falta de perspectivas podem arrastar qualquer um para o vício, mas tem aqueles que só entram de gaiatos mesmo no consumo desenfreado de drogas, portanto, acredito que ele poderia ter escolhido melhor o nicho a retratar. Veja bem, não estou desmerecendo o filme – ele é muito bom e eu gostei demais dele -, só não sei se o diretor alcançou seu intento inicial. A história acompanha vinte e quatro horas dos dois protagonistas - Adam e Paul – dois junkies cujas existências se resumem a buscar a próxima dose, seja de droga, seja de álcool, seja de tabaco. Os personagens se encontram tão entorpecidos pelas drogas que lhe faltam sentimentos e, ao saberem do recente falecimento de um amigo de infância – viciado como eles -, sequer conseguem manifestar alguma condolência e sua atenção se mantém em procurar meios de adquirir alguma dose. É curioso que, muito embora a obra tenha uma natureza trágica e pesada, o roteiro mantém uma leveza estranha, permeada de um humor ácido e cirúrgico – não foi uma, nem duas vezes que a história me arrancou gargalhadas. Os personagens, até mesmo por seu evidente comprometimento cognitivo causado pelo uso de drogas, são confusos, desastrados, desatentos e se envolvem em toda a sorte de desacertos e confusões, colocam pés pelas mãos, tomam decisões equivocadas e assinam sua sentença de morte com os traficantes e contraventores locais. Eles não são maus, mas podem optar por ações bastante controversas – até maldosas – na ânsia de conseguirem drogas. A narrativa é linear, em ritmo marcado. A atmosfera é tensa, mas o humor faz com que isso não seja tão perceptível até o desfecho... a cena final é aquele soco no estômago digno de Mike Tyson, que fez o público sair mudo da sala de cinema. O roteiro, assinado por Mark O’Halloran, que interpreta o Adam, desenvolve-se de uma maneira gradual, sem pulos e sem deixar pontas soltas. A fotografia é meio lavada, bastante granulada, sem cores muito saturadas e sem muito contraste – é uma fotografia que causa certa sensação de precariedade, de pobreza mesmo. O desenho de produção esmerou-se em montar ambientes decadentes, insalubres e pouco aconchegantes, com a única exceção da casa de Janine. A aparência de todos os personagens é, também, de franca decadência. O filme traz uma trilha sonora incidental, não tão frequente quando no cinema estadunidense e bem menos manipulador – aliás, boa parte da música auxilia no tom cômico. O elenco traz o roteirista Mark O’Halloran no papel de Adam... achei uma interpretação correta, mas sem brilho; Tom Murphy interpreta Paul, muito bem no papel, evidenciando o comprometimento cognitivo e dificuldades de raciocínio do personagem. No elenco, ainda, Gerry Moore como Clank, Deidre Molloy como Marian, Mary Murray como Orla, Paul Roe como Wayne e Ion Caramitru como o estrangeiro do leste europeu. Destaque para a cena do bar, a que mais estende a questão de pobreza, decadência e falta de perspectiva para além dos viciados; da cena da casa de Janine; e a cena final (o soco no estômago). Eu gostei demais do filme, o diretor está com 100% de aproveitamento nos filmes dele que eu vi... Recomendo!

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