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hikafigueiredo

"Ataque dos Cães", de Jane Campion, 2021

Filme do dia (365/2021) - "Ataque dos Cães", de Jane Campion, 2021 - Oeste americano, início do século XX. Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) são dois irmãos proprietários da maior fazenda de gado de Montana. Enquanto Phil mostra-se rude e cruel, George é gentil e educado com todos ao seu redor. Quando George casa-se com Rose (Kirsten Dunst), viúva de um médico suicida, mãe de Peter (Kodi Smit-McPhee), um adolescente sensível que sonha seguir a profissão do pai, Phil recebe a notícia com desgosto e passa a acuar a cunhada na propriedade da família.





Anos após o irretocável "O Piano" (1993), Jane Campion retoma o tema da viúva solitária que se arrisca a contrair novo matrimônio e passa viver em um ambiente hostil. No entanto, se na obra anterior, o foco era essa mulher, aqui o cerne é seu antagonista, na figura do cowboy rude e durão Phil. A diretora volta seu olhar feminino à realidade inóspita do oeste americano e às relações marcadas pelo machismo tóxico e por duras relações de poder, ao mesmo tempo em que desconstrói a imagem heteronormativa do cowboy clássico criada pelos westerns tradicionais. Com delicadeza, a diretora desenvolve a história das complexas relações familiares e afetivas surgidas entre os personagens, optando pela sutileza no lugar de imagens e situações incisivas. A trama é marcada por antagonismos que começam pela natureza diametralmente oposta dos dois irmãos, passam para a relação conturbada entre os cunhados e desembocam na aproximação de Phil e Peter, momento em que há a subversão de tudo que vinha acontecendo até então. Os personagens são incrivelmente complexos, eles têm camadas, têm nuances e espessura, trazendo novos significados à máxima "as aparências enganam" - e que também não se engane o espectador, pois as surpresas virão de onde ele menos espera. A narrativa é linear, em ritmo bem marcado. A atmosfera começa com um leve desconforto que se amplia com o tempo, passa para um estranhamento, ganha leveza e, ao atingir o clímax, chega quase a um sentimento de terror - sim, é um filme multifacetado e surpreendente. Adoraria discorrer sobre vários aspectos da obra e, principalmente, dos personagens, mas incorreria em spoilers imperdoáveis, então vou me abster. Tecnicamente, o filme é de altíssimo nível, por qualquer ângulo que se olhe. A fotografia muito contrastada e saturada, em tons quentes, aproveita a beleza natural do local para encher os olhos do espectador com planos abertos de beleza imoral, que contrastam com os planos detalhes eloquentes e bastante significativos como as cenas em que Phil trança a corda de couro ou afaga a sela de seu antigo mentor. A trilha sonora é tão sutil que quase passa despercebida - o que, para mim, é sempre uma virtude, pois detesto perceber que o diretor tentou me manipular através da música (e, quando percebo isso, a intenção vai inteira para o ralo e tem o efeito inverso). O elenco está primoroso - Jane Campion já mostrava seu talento para direção de atores em "O Piano", arrancando interpretações apaixonadas de seus atores e atrizes, e aqui ela parece que se superou. Jesse Plemons está muito bem como o gentil fazendeiro George, modulando seu tom de voz e trazendo delicadeza de movimentos ao personagem; Kodi Smit-McPhee, um ator do qual não me lembrava, aproveita bem seu tipo físico frágil para interpretar o jovem Peter e traz um olhar que parece querer engolir o público. Mas o filme é, realmente, de Kirsten Dunst e Benedict Cumberbatch. Ela está fascinante como a acuada viúva que só almeja alguma paz ao lado do doce George e que se lança a saídas equivocadas para abater seu desespero - Dunst entrega uma personagem "afogada", ansiosa e profundamente triste e está soberba no papel; já Cumberbatch, protagonista absoluto do filme, arranca sentimentos completamente contraditórios no espectador - prepare-se para odiá-lo e, tempos depois, começar a desenvolver certo olhar condescendente até ele quase ganhar sua simpatia; Cumberbatch explora toda a complexidade do personagem com a desenvoltura do grande ator que é e nos entrega um resultado impressionante, uma atuação visceral e única! O filme, que está sendo cotadíssimo para o próximo Oscar, é incrivelmente bom, rico, sutil e muitíssimo bem dirigido por Jane Campion. Merece demais ser visto e está facílimo pelo Netflix (mas, se chegar aos cinemas, valeria à pena ser visto em tela grande). Filmaço!

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