Filme do dia (19/2022) - "Beleza Americana", de Sam Mendes, 1999 - Lester Burham (Kevin Spacey) é um homem de meia idade em crise que narra seu última ano de vida, quando uma repreensível paixão por Angela (Mena Suvari), a amiga de sua filha adolescente Jane (Thora Birch), faz com que ele desperta de seu estupor.
Alçada a filme predileto desde que a vi pela primeira vez, ainda no cinema, nos idos de 1999, a obra é um sensível e complexo drama existencialista que traz, em seu bojo, uma série de críticas ao american way of life e tudo mais que lhe vem a reboque. A ideia central da história é a de que o "modo de vida americano" - e aí podemos estender a toda a lógica da existência capitalista - é um engodo que impede que as pessoas, de um modo geral, tenham claro seus objetivos na vida e percebam a si mesmas e o que realmente importa em suas existências. Assim, o filme explora temas como a busca desenfreada pelo sucesso, a supervalorização das aparências, a ambição, a superficialidade, a falácia da prosperidade material e profissional, a hipocrisia da sociedade, a falsidade das relações humanas, a brutalidade das relações familiares, o preconceito de gênero e orientação sexual, a hipersexualização das mulheres jovens, a crise masculina da meia idade, a insegurança juvenil, a repressão da sexualidade, o culto às armas, dentre outros tantos que abundam na obra. Do grosso caldo de críticas, a constatação final é de que nada disso - sucesso, aparência, dinheiro, fama, poder - resiste ao termo final e o que fica são apenas as mais doces e ternas lembranças do que realmente foi importante: o monólogo final, que me arranca lágrimas todas as vezes que (re)vejo a obra, traduz bem essa urgência de se filtrar a vida, deixando para trás as coisas supérfluas, suas misérias, e priorizando aquilo que verdadeiramente tem valor. O filme, ainda, tem uma das melhores construções de personagens que me lembro de ter visto - há um cuidado raro na caracterização tanto do protagonistas quanto dos personagens secundários, todos profundos, complexos e cheios de conflitos. Ao longo da história, também, veremos o lento e caótico "despertar" de Lester - o próprio protagonista percebe sua letargia e sua saída deste torpor passa por terrenos instáveis e situações patéticas como sua ridícula paixonite por Angela. Mas não se engane quem acha patético o comportamento de Lester - quase todos os demais personagens encontram-se igualmente anestesiados e são patéticos, cada qual a seu modo: sua esposa Carolyn, com sua procura pelo sucesso, seu mantra de autoajuda, sua falsidade; a filha Jane, que esconde toda sua insegurança e carência sob uma rígida casca de agressividade, rispidez e insensibilidade; a jovem Angela, que vive uma personagem, escondendo de todos o seus medos; o self made man Buddy, superficial e aproveitador; o Coronel Frank Fitts, que reprime sua sexualidade e desconta violentamente sua mágoa em sua família. A única exceção à regra é o jovem Ricky, que, muito embora seja um outsider e tenha a pecha de perturbado, guarda alguma lucidez, mostra-se seguro do que quer e de quem é e romanticamente veja beleza em pequenas coisas da vida enquanto lida, com alguma maturidade, com a violência familiar, na figura de seu pai. A narrativa é praticamente linear - digo praticamente porque, nos moldes de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", a narrativa é um grande flashback do falecido Lester Burham, informação que nos é apresentada antes do segundo minuto de filme. O ritmo é moderado, adequado a um drama. A atmosfera vai de leve incômodo e vergonha alheia a angústia e até mesmo tristeza quando Lester, finalmente liberto de suas amarras, agora consciente e feliz, encontra seu triste destino. O roteiro é complexo e amarradíssimo, mas não há sequer uma ponta solta, e, diferentemente de muitos filmes hollywoodianos, há espaço para leituras e revalorizações, isto é, não nos é dado tudo "mastigado" e há questões a serem intuídas e interpretadas (há, inclusive, uma forte discussão dos significados da obra, pois, por ser bem "aberta", abre campo para as mais diversas interpretações). O roteiro, de Alan Ball, ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original (2000), bem como o Globo de Ouro (2000) na mesma categoria. Tecnicamente, também, o filme é perfeito. A fotografia delicada de Conrad Hall, muito saturada e contrastada, faz uso de planos e posicionamentos de câmera criativos e sofisticados, movimentos de câmera significativos e usa e abusa da câmera lenta nos devaneios de Lester, tendo sido agraciada com o Oscar de Melhor Fotografia (2000). A trilha sonora de Thomas Newman é sensível e marcante. Destaque total para a Direção de Arte de Naomi Shohan que pontua a obra com um vermelho vívido que remete à paixão de Lester, mas, também, à sua morte. O elenco, por sua vez, não poderia ser mais precioso: Kevin Spacey, maravilhoso em sua interpretação, consegue imprimir tantas nuances em seu Lester Burham que podemos ter, em um só tempo, as mais diversas emoções pelo personagem. Seu Lester Burham começa tão miseravelmente, tão patético, tão aprisionado em uma realidade desértica e infeliz, mas, pouco a pouco, liberta-se de tudo e consegue encontrar paz e felicidade, chegando a ter atitude verdadeiramente madura e nobre (sem spoiler). Por seu incrível trabalho, Kevin Spacey recebeu tanto o Oscar (2000), quanto o Prêmio BAFTA (2000) e o Prêmio do Sindicato dos Atores (2000). Annette Bening interpreta a superficial Carolyn Burham, esposa de Lester, e está maravilhosa no papel, pelo qual foi agraciada com o BAFTA (2000) e o Prêmio dos Sindicato dos Atores (2000). Thora Birch interpreta Jane Burham, fazendo par com Wes Bentley como Ricky Fitts, ambos incríveis. Mena Suvari interpreta Angela, Chris Cooper está estupendo como o Coronel Frank Fitts, Peter Gallagher interpreta Buddy Kane e Allison Janney, a catatônica esposa de Frank, Bárbara Fitts. O filme foi agraciado com o Oscar (2000), Globo de Ouro (2000), BAFTA (2000) e o Critic's Choice Award (2000), de Melhor Filme, bem como Oscar, Globo de Ouro e Critic's Choice Award de Melhor Direção. Eu simplesmente AMO esse filme e caio em prantos todas as vezes no seu monólogo final. Recomendo demais, ele é simplesmente perfeito.
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