Filme do dia (104/2024) – “Bodas de Sangue”, de Carlos Saura, 1981 – Uma companhia de dança flamenca encena uma versão musical da peça de teatro “Bodas de Sangue”, de Federico Garcia Lorca, na qual uma noiva reencontra seu antigo amor no dia de seu casamento.
Primeiro filme da trilogia flamenca de Carlos Saura, “Bodas de Sangue” também é a primeira obra a fazer uso do espaço extra-ficcional na narrativa, ainda que de forma incipiente e discreta se comparado aos demais filmes da trilogia. Aqui, a história da peça de Federico Garcia Lorca nos é apresentada através dos ensaios de uma companhia de dança flamenca comandada pelo dançarino e coreógrafo Antonio Gades. Os dançarinos interpretam os personagens da peça levando os espectadores a mergulharem no universo ficcional da obra teatral, na qual uma noiva reencontra Leonardo, seu grande amor do passado, no exato dia do casamento dela. A narrativa tem início ainda nos camarins, durante os preparativos para o ensaio e termina após a encenação da última cena. Muito embora trate-se do ensaio de uma peça, o “formato” não é teatral, mas cinematográfico, pois a câmera tem grande participação no estabelecimento do “olhar” do espectador, conduzindo a atenção do público, recortando as cenas e fixando-se em detalhes predeterminados. A narrativa é linear, em ritmo inicialmente lento, mas crescente, tomada pela história da peça. A atmosfera é, desde o início do ensaio, tensa e vibrante, muito influenciada pelo calor da dança. Apesar de tudo acontecer no interior de uma sala de ensaios, praticamente em um único ambiente, em momento algum temos a sensação de claustrofobia, pois a câmera muito movimentada, aliada à montagem recortada e à dança intensa, consegue fazer com que o espectador extrapole o espaço físico, vivenciando a história da peça, que supõe diferentes lugares. A trilha musical, evidentemente, consiste em músicas flamencas, que eu sinceramente adoro, mas que talvez cause estranhamento em quem não conhece o ritmo. Quanto às danças, são simplesmente maravilhosas, trazendo toda a eloquência e intensidade características do flamenco. O elenco é encabeçado por Antonio Gades, um dos maiores dançarinos de flamenco que já existiu – nem é preciso entender da dança para perceber quão diferenciada é a sua postura e quão mais expressiva é sua movimentação no tablado. Fazendo par com Antonio Gades, a fenomenal Cristina Hoyos, uma bailarina intensa, com uma dança poderosa e que arrebata o espectador. Tanto Antonio Gades quanto Cristina Hoyos voltam nas obras subsequentes da trilogia, sempre em papeis importantes, quando não como protagonistas. Destaque, também, para Juan Antonio Jimenez como o noivo, que embora seja um incrível bailarino, é bastante ofuscado pelo talento de Gades. O filme é uma belíssima homenagem à cultura espanhola e, em especial, ao flamenco. Quem curte dança vai certamente adorar. Eu amo e recomendo. Disponível em streaming pelo Apple TV.
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