Filme do dia (63/2024) – “C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor”, de Jean-Marc Vallée, 2005 – Quebec, Canadá, 1960. Nasce Zachary Beaulieu (Marc-André Grondin), o quarto filho de um pai conservador e uma mãe religiosa. Desde cedo Zachary pressente seu interesse por meninos, mas sua sexualidade entrará em rota de colisão com o tradicionalismo de seu pai. Ao longo dos anos, Zac e seus familiares terão de aprender a lidar com as características únicas de cada um deles.
Nessa comédia dramática de alta qualidade temos um panorama sensível acerca dos relacionamentos familiares, cujos conflitos não impedem que exista afeto entre os membros do grupo. A obra vai tratar de autoconhecimento, autoaceitação, preconceito e superação de ideias pré-concebidas. Ainda que fale muito sobre preconceito, é um filme que também fala muito sobre amor e sobre o que se é capaz de fazer em nome deste sentimento. A obra é hábil, ainda, em traçar uma linha temporal dos anos 1960 aos 1985, retratando um pouco das características, estilos e ideais de cada período. Além da questão da sexualidade, amplamente explorada pelo filme, também há uma discussão bastante provocativa acerca das drogas – ambos os temas são cruciais para a história. Outra temática presente é a religião, aqui retratada de uma forma quase contraditória, pois fonte de amor e compreensão para a mãe de Zac e base para muita intransigência para o pai do personagem. A narrativa acompanha o personagem Zachary, do seu nascimento, em uma noite de Natal, até, aproximadamente, seus vinte e cinco anos. Ao longo do tempo, o personagem vai se autodescobrindo e aprendendo a conviver, não apenas com seus familiares, amigos, colegas, mas, inclusive, consigo mesmo. Achei a evolução do personagem muito bem promovida – ela é bem gradual, sem “saltos” ou mudanças bruscas. Formalmente, a obra é bastante criativa – temos uma fotografia pouco convencional, que brinca constantemente com as imagens de diversas maneiras diferentes: temos cenas em câmera lenta, outras em velocidade aumentada, movimentos de câmera diferentes e ousados, posições de câmera sofisticadas e pouco óbvias, ponto de vista diversificados, praticamente tudo que é possível fazer em termos de imagem tem no filme; da mesma forma, a edição é igualmente versátil, aumentando e diminuindo o ritmo da narrativa dependendo do momento; eu simplesmente amei o desenho de produção da obra, o qual abarca os estilos de três décadas bastante diversas entre si: temos a sobriedade do início dos anos 60, a irreverência do início dos anos 70, o glamour-rock e o estilo punk, do fim desta mesma década e início dos anos 80. Outro ponto alto do filme é a trilha musical, simplesmente perfeita, com destaque para as músicas de Pink Floyd, Rolling Stones, David Bowie e Patsy Cline. Quanto ao elenco, temos Marc-André Grondin como o protagonista Zachary, num trabalho esmerado – não consigo imaginar alguém melhor para o papel, pois o ator consegue trazer do mais profundo drama a toques de humor ácido para o personagem; Michel Côté interpreta Gervais, pai de Zac, numa interpretação poderosa, principalmente pelas contradições e dores sofridas pelo personagem, que desperta, ao mesmo tempo, simpatia e raiva (simpatia pelo amor profundo aos filhos e raiva pela sua assumida homofobia); Danielle Proulx interpreta Laurianne, mãe de Zac, uma personagem marcante pela sua compreensão e aceitação de cada um dos seus cinco filhos, tão diferentes entre si; Pierre-Luc Brillant interpreta o caótico irmão Raymond, figura marcante na história, muito bem no personagem; e Mariloup Wolfe dá vida à Brigitte, melhor amiga e namorada de Zac. Eu confesso que adoro esse filme, muito por seu ritmo intenso e criatividade formal, mas também por entregar uma história afetuosa sobre família e disposição em mudar. Segundo o Justwatch, o filme não está disponível em streaming (que pena!) – para ver, só em mídia física ou em torrent.
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