Filme do dia (38/2023) – “Filhos de Hiroshima”, de Kaneto Shindô, 1952 – Sete anos após o bombardeio de Hiroshima, a professora Takako Ishikawa (Nobuko Otowa), natural daquela cidade, retorna para o local para visitar os túmulos de seus pais e de sua irmã, mortos no bombardeio. Ao longo de alguns dias, a jovem reencontra antigos conhecidos e constata o efeito da bomba atômica em cada um deles.
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A obra, uma das primeiras do diretor Shindô, foi encomendada pelo Sindicato de Professores do Japão para dar voz às memórias de sobreviventes do bombardeio de Hiroshima que haviam sido entrevistados pelo educador Arata Osada. Assim, a história ficcional da professora Takako é utilizada como o fio condutor que “costura” diversas narrativas reais vivenciadas por quem esteve presente no fatídico dia 06 de agosto de 1945. Não é muito fácil fazer um filtro do conteúdo da obra, pois, ainda que tantas histórias dramáticas reunidas possa parecer um pouco exagerado, é fato que a situação real foi trágica em um nível que alguém “de fora” tem até dificuldade de dimensionar. Certo é que o filme mostra uma sucessão de histórias profundamente dramáticas que causam verdadeiro mal-estar e angústia no espectador, ainda que boa parte dos personagens lide com aquela realidade com certa resiliência. Imagino que as reações à obra sejam bem diferentes, dependendo da cultura, pois essa contenção oriental soa estranha a nós, latinos, e para parte do público norte-americano, tudo parece melodramático (cheguei a encontrar a palavra “vitimização” em algumas menções ao filme, o que eu achei absurdo e de extremo mau gosto, principalmente por partir de gente do país responsável pela tragédia). É inegável que a obra expõe não apenas a tragédia imediata do bombardeio, mas como isso repercutiu na vida de todos que estavam lá na ocasião: quem não perdeu a vida, perdeu familiares e amigos, teve problemas sérios de saúde, por vezes fatais, teve sequelas físicas e psicológicas, perdeu a esperança, optou pelo autoexílio e, por vezes, várias dessas alternativas concomitantemente. Apesar de me solidarizar com os japoneses pelas histórias contadas, senti falta de um aprofundamento maior das questões políticas que envolveram todo o contexto da guerra, mas acredito que esse não era mesmo o foco da obra, muito mais voltado ao expurgo de dores e traumas decorrentes da tragédia. O ritmo é moderado, menos lento do que o normal das obras japonesas. A atmosfera é deprimente, angustiante, mas acena com alguma esperança futura. Tecnicamente, o que mais me chamou a atenção foi a quase ausência de trilha sonora, possibilitando alguns longos silêncios incômodos e uma tendência à introspecção; e a fotografia P&B suave, com posicionamentos de câmera diferenciados, com muitos plongées e contra-plongées, algo não muito comum, nessa época, nos filmes japoneses. Gostei da contenção da interpretação de Nobuko Otowa como Takako, de forma que afastou qualquer possibilidade de exagero e queda para o melodrama. Osamu Takizawa interpreta Iwakichi, um personagem um pouco menos “contido” que Takako. Miwa Saito interpreta a amiga de Takako, Natsue. Apesar de achar o filme aquém de outras obras do diretor, responsável pelos incríveis “A Ilha Nua” (1960), “Onibaba” (1964) e “O Gato Preto” (1968), gostei do que vi e me senti envolvida e tocada pela história. Até agora, Kaneto Shindô não decepcionou. Recomendo com convicção.
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