Filme do dia (38/2024) – “Guerra Civil”, de Alex Garland, 2024 – Em um futuro indefinido, mas próximo, os EUA entram numa devastadora guerra civil. Havendo a possibilidade de um desfecho trágico relacionado ao presidente estadunidense, uma fotógrafa de guerra, Lee Smith (Kirsten Dunst), acompanhada de dois repórteres – Joel (Wagner Moura) e Sammy (Stephen Henderson) – parte para Washington D.C. Mas antes de partirem, uma fotógrafa iniciante, Jessie (Cailee Spaeny), junta-se a eles, contra a vontade de Lee.
Precisei de alguns dias e bastante reflexão para compreender a obra e defini-la com justiça. Confesso que, inicialmente, não me empolguei com o filme, mas, após considerar algumas pontuações feitas por minha irmã, a qual foi comigo ao cinema na ocasião, acabei me rendendo e talvez minha primeira impressão tenha sido um pouco injusta. A obra discorre sobre a devastação que uma guerra civil é capaz de causar – guerra esta surgida da cisão causada pela polarização política, tão nossa conhecida. É interessante que, em nenhum momento ao longo da obra, o diretor revela quem é quem no conflito – sabemos que existe uma revolta entre grupos armados civis e que uma parte do exército apoia o ainda presidente do que restou dos EUA, mas quais pautas cada polo defende e quais as orientações políticas de cada grupo jamais é revelado. Ainda que essa indefinição possa parecer, aos olhos do público, incômoda, é evidentemente proposital, pois o diretor claramente pretende evidenciar que, independente de qualquer pauta ou orientação política, uma guerra civil é uma guerra e, como tal, brutal em todos os sentidos. Não são poucas as cenas em que a narrativa aponta para um vórtice de loucura e violência, desumanizando todos os envolvidos, inclusive os próprios personagens. Trata-se, pois, de uma crítica ferrenha aos malefícios da polarização, da falta de diálogo e, em última instância, do embate armado resultante daqueles. Podemos dizer que esta é a temática “macro” da obra, pois também temos um tema mais focado nos personagens que acompanhamos. As protagonistas são a fotógrafa veterana Lee e a novata Jessie e, enquanto a última encontra-se “animada” pela empreitada que a levará diretamente ao olho do furacão, podendo lançá-la como fotógrafa de guerra, a primeira encontra-se em plena crise existencial, totalmente corroída pelos anos e anos de experiências trágicas como fotógrafa de conflitos. Ao longo da narrativa, cada uma das protagonistas terá seu arco de desenvolvimento, os quais serão praticamente opostos, pois enquanto a dura Lee fará um movimento de humanização, a inicialmente insegura Jessie gradativamente se tornará fria e cada vez mais objetiva. A narrativa é linear, com alguns pouquíssimos flashbacks relacionados à personagem Lee. O ritmo é meio irregular – o diretor brinca tanto com o ritmo quanto com a tensão relacionada às cenas, existindo momentos mais lentos e distensos e outros mais ritmados e bem “nervosos”. Tecnicamente, o filme não decepciona, trazendo fotografia, desenho de produção, som e efeitos especiais de qualidade indiscutível. Tenho de dizer que me incomodei com as várias cenas em câmera lenta e musiquinha suave – não sei, ao certo, qual efeito o diretor esperava causar no espectador com tais cenas, mas, certamente, para mim não funcionou como o esperado e só me “tirou” do clima de tensão construído (e me irritou). Em relação às interpretações, Kirsten Dunst dá um banho no resto do elenco inteiro – ela está perfeita com seu olhar desenganado, sua expressão facial dura e seu corpo sempre tenso, ela é a imagem da desilusão e do trauma. Com relação à atriz Cailee Spaeny, não gostei muito de seu trabalho, achei sua evolução pouco convincente e pautada em cenas muito estanques (em outra palavras, sua mudança não é suficientemente gradual, mas “em soquinhos”, não curti). Nosso querido Wagner Moura está em um papel secundário, que nem de longe possibilitou mostrar seu talento, e o personagem nem ajuda, pois é bem raso. Melhor o personagem de Stephen Henderson, o qual tem um “diálogo” interessante com a personagem Lee, em termos de cansaço e tristeza vindos de sua experiência profissional. No elenco, ainda, Nick Offerman como presidente estadunidense e Jesse Plemons como soldado e responsável pela indiscutivelmente melhor cena do filme (eu disse soldado, mas, na realidade, não sabemos nada a respeito do personagem, exceto que está vestido com uma roupa camuflada, usa um óculos vermelho e é totalmente “psycho”. Destaque absoluto para tal cena). O filme, na minha humilde opinião, é melhor do que estão pintando por aí, mas, exige uma leitura que vai além do óbvio e superficial. Não diria que é perfeito, mas não é um filme ruim, vale a visita e uma reflexão sobre ele.
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