Filme do dia (110/2024) – “Jubiabá”, de Nelson Pereira dos Santos, 1986 – Bahia, início do século XX. O menino Baldo vive com sua tia em sérias dificuldades financeiras. Quando ela enlouquece, Baldo é acolhido pelo Comendador (Raymond Pellegrin) e sua família e passa a realizar pequenos serviços na casa. Na adolescência, Baldo é acusado por Amelie (Catherine Rouvel), a empregada, de assediar Lindinalva (Françoise Goussard), a filha do Comendador. Por este motivo, Baldo é espancado e colocado para fora de casa, quando então cai no mundo.
Baseado no romance homônimo de Jorge Amado, o filme acompanha a trajetória de Baldo, um homem negro e pobre, que luta para sobreviver em um país racista e excludente, dividido entre a burguesia branca e rica e uma massa de pobres, formada principalmente por negros. A obra aborda uma infinidade de temas, muitos deles extremamente atuais: racismo, exclusão social, violência policial, patriarcado, submissão feminina, pedofilia, mas também consciência política, liberdade religiosa e lutas sociais. Ocorre que o excesso de assuntos acaba por deixar quase todos na superficialidade, com exceção, talvez, das questões do racismo e da exclusão social. A história expõe, ainda, a hipocrisia da burguesia, com suas imposições morais que valem para os outros e nunca para si mesma, na figura do Comendador, cujo comportamento em casa diferia – e muito! – de sua conduta “na rua”. Muito embora baseado num livro de um autor completo como Jorge Amado, o filme traz um problema que imputo à conversão de obra literária em cinematográfica: a narrativa mostra-se irregular, demorando-se em alguns pontos e sendo por demais fugaz em outros. A própria figura de Jubiabá, o pai-de-santo que orienta Baldo, é quase passageira, não havendo tempo para aprofundar o personagem. Acredito que o livro exigia um filme mais longo, no qual diversas passagens pudessem ser melhor apresentadas. A própria tomada de consciência política de Baldo acontece de forma mágica, num ímpeto, e não como resultado de um processo. Por outro lado, as diversas cenas em que Baldo, já adulto, aparece como criança ou adolescente foi um subterfúgio interessante para indicar as lembranças e feridas da juventude e o relacionamento tão íntimo entre Baldo e Lindinalva. O ritmo do filme também não é tão fluido quanto outros do diretor, mostrando-se truncado, algo estranho tanto para o escritor, quanto para o cineasta. Tecnicamente, o filme enfrenta ainda mais problemas, que vão de uma qualidade de som péssima a uma fotografia irregular, onde cenas perfeitas misturam-se a outras escuras e mal iluminadas. Por motivo que não sei dizer, optou-se por dublar-se os atores, no lugar de fazer som direto, o que, para mim, foi desastroso, pois os diálogos soaram, quase todos, bastante falsos. A trilha sonora de Gilberto Gil, por outro lado, merece destaque óbvio, assim como a cena em que uma figurante canta “É Doce Morrer no Mar”, de Dorival Caymmi. Também vi problemas nas interpretações – com exceção de Grande Otelo (um monstro de intérprete!), Ruth de Souza, Betty Faria e Zezé Motta, todos em presenças rápidas, o resto do elenco mostrou-se frágil, em maior ou menor grau. Raymond Pellegrin como Comendador, Julien Guiomar como Luigi e Romeu Evaristo como parceiro de Baldo ainda estão bem, mas os protagonistas Charles Baiano e Françoise Goussard, sinceramente, deixaram muito a desejar e não consegui entender suas escolhas para o elenco central. Admito que esperava mais da obra, considerando a qualidade de escrita de Jorge Amado e do cinema de Nelson Pereira dos Santos. A tempo: o filme não é ruim, mas ele tinha potencial para ser absurdamente melhor!!!! Merecia uma refilmagem... Evidentemente, o filme não está disponível em streaming, mas parece que tem na íntegra no Youtube, além de em torrent e mídia física.
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