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hikafigueiredo

“Mamífera”, de Liliana Torres, 2024

 

Filme do dia (143/2024) – “Mamífera”, de Liliana Torres, 2024 – Lola (Maria Rodriguez Soto) é uma artista plástica e professora universitária de 40 anos, que mantém um relacionamento estável com Bruno (Enroc Auquer), que se descobre grávida, a despeito de não ter nenhuma vontade de ser mãe. Ela opta pelo aborto, mas a clínica dá dois dias para ela pensar a respeito, período em que ela se questiona acerca do assunto.




 

Antes da sessão, a produtora do filme se pronunciou e falou que este era um filme que precisava ser feito. Concordo com ela. Puxei pela memória e não consegui localizar nenhum outro filme que abordasse esse assunto - e olha que eu tenho quilometragem de cinema! O filme discorre sobre as mulheres que optam por não terem filhos – nem no agora, nem nunca. A reflexão que segue é rica e necessária. A sociedade patriarcal, acostumada a controlar as vidas e os corpos femininos, não tolera a ousadia daquelas mulheres que tomam as rédeas de suas vidas, não seguem o fluxo habitual e apenas decidem que não querem ter filhos. A maternidade – oh, essa vocação divina da mulher (contém ironia) – é imposta socialmente e a negação dela é quase ofensiva para a sociedade. O resultado é que as mulheres que optam por não terem filhos são cruel e injustamente taxadas de egoístas, imaturas, despreparadas, quando não de desequilibradas. Diante de uma enxurrada de críticas, tais mulheres começam a questionar suas próprias escolhas e, por vezes, acabam cedendo e abraçando uma empreitada para a qual não têm talento, preparo ou, principal, vontade – e assim tornam-se mães, muitas vezes frustradas, jogando nos filhos a culpa por terem tornado sua existência um inferno, sem data para acabar. E as que, ainda assim, não cedem, apontadas, para sempre, como problemáticas em vários níveis. Na história, Lola, de quarenta anos, descobre-se grávida. Ocorre que ela jamais teve a intenção de engravidar e a ideia é puro pesadelo para a protagonista. Ela decide fazer um aborto – o que é legalizado na Espanha, país de origem do filme e da personagem -, mas a clínica exige dois dias de prazo para ela pensar a respeito. E Lola pensa. Sem revelar sua gravidez para ninguém além do companheiro, ela questiona as amigas e a mãe acerca de suas gravidezes, de suas vontades de serem mães, de um possível arrependimento de terem filhos, dentre outros. E Lola, diante das respostas, começa até a se questionar sobre sua escolha e sua vontade inexistente de ser mãe. A reflexão leva à conclusão que é okay optar por não ter filhos, assim como é okay optar pela maternidade – as mulheres têm a liberdade de escolha e isso é maravilhoso. Eu, particularmente, achei a discussão importantíssima, pois é necessário desmistificar a maternidade e cessar a “maternidade compulsória”, deixar essa questão a cargo de cada mulher decidir, individualmente, seus caminhos, abandonar as críticas a quem opta por não ter filhos – lembrando que a mulher é alvo de críticas e opiniões não solicitadas em qualquer situação e essa é apenas uma delas. Escolher a maternidade deveria ser uma decisão muito mais “pensada” do que o que se tem visto por aí, pois, na minha opinião, é bastante leviano só “seguir o fluxo” – é leviano com os filhos, com os companheiros e as próprias mães. A narrativa é linear, em ritmo marcado. A atmosfera é de apreensão, dúvida, medo, seguindo a situação emocional da personagem. Formalmente, destaco as cenas dos sonhos e devaneios de Lola, nas quais a protagonista se vê como um recorte numa colagem, reproduzindo as obras de arte que ela própria cria. Destaco, também, a interpretação de Maria Rodriguez Soto, bastante sólida, criando diversas nuances da personagem, perceptíveis por sua entonação de voz e expressão corporal e facial – vale destacar que a personagem Lola é muito bem construída, ela tem força, mas, também fragilidades e dúvidas. O trabalho de Enric Auquer também merece elogios, havendo um crescimento do personagem do começo para o fim da narrativa. Eu gostei demais da obra, pois tocou num assunto tabu, que precisa muito ser discutido e desmistificado. Recomendo enfaticamente. Assistido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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