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hikafigueiredo

"Meu Nome é Bagdá", de Caru Alves de Souza, 2019

Filme do dia (281/2021) - "Meu Nome é Bagdá", de Caru Alves de Souza, 2019. Pelas ruas do bairro Freguesia do Ó, na periferia de São Paulo, vive Bagdá (Grace Orsato), uma garota de 17 anos. Ela pratica skate com uma turma de garotos, muito embora sinta-se um pouco deslocada entre eles. Conhecer outras meninas que também praticam o esporte dará novo rumo à Bagdá.





O filme tem, como tema, o empoderamento feminino, seja dentro do esporte, seja pela vida afora. Bagdá opta pela prática de um esporte ainda bastante marcado pelo machismo - comparativamente, há muito mais homens que mulheres dentro do esporte. Com uma aparência andrógina, Bagdá mistura-se ao rapazes, muito embora seja perceptível que aquela situação não seja a ideal para ela. Em casa, Bagdá vive com a mãe Micheline e duas irmãs - uma casa marcada pela presença feminina e sem qualquer influência masculina. Ainda que Bagdá tenha o suporte da família composta apenas de mulheres - assim como pelas amigas da mãe, também mulheres, sejam cis ou sejam trans - é no skate que ela vai sentir, mesmo que sutilmente, o preconceito de gênero. A situação vai mudar quando Bagdá conhecer outras meninas praticantes do esporte e, juntas, passarem a acolher e proteger umas às outras. O filme é um lindo exercício de sororidade, de apoio e acolhimento entre mulheres, além de um olhar feminino para a vida. Não há, em torno de Bagdá, uma única mulher fraca, submissa ou controlada por homens - todas as mulheres do filme são empoderadas, seja a mulher trans dona do salão do bairro, seja a mulher cis proprietária do boteco - isso é delicioso de ver. Mais fantástico ainda é acompanhar o encontro das meninas skatistas e a verdadeira lição de lealdade e acolhimento que elas dão ao defender Bagdá de uma situação típica deste mundo machista em que vivemos. Além disso, o filme também traz um olhar sobre a cultura periférica, sobre os bairros distantes das elites, sobre o skate, o rap, o funk, a vida "pé no chão", longe de qualquer glamour ou poder. Seguindo esta ideia, a obra vem em um formato pouco convencional, bastante fragmentado, ousado e criativo. Temos o que seria um recorte da vida dos personagens: as cenas se sucedem, uma após as outras, em um fluxo contínuo e aparentemente aleatório - digo aparentemente porque o espectador só consegue perceber a unidade da obra ao seu final, pois, ao longo da narrativa, as cenas parecem bastante desconexas. Não espere uma estética "limpinha e cheirosa" - a diretora traz, para a obra, o cinza do asfalto, da periferia, buscando a beleza daquilo que, tradicionalmente, é visto como feio e desvalorizado. A fotografia é bastante crua, naturalista, nada parecida com aquela fotografia de publicidade. Por outro lado, temos uma câmera que se movimenta bastante, acompanhando as manobras do esporte, e trazendo maior ritmo à obra. A trilha sonora é maravilhosa, variada e absolutamente pertinente, completamente integrada ao filme. As interpretações são bastante convincentes - os trejeitos, as gírias usadas, tudo é bastante natural, com forte tom documental. Grace Orsato está maravilhosa como Bagdá, contrastando seu tipo miúdo, franzino, com a força da personagem; Karina Buhr interpreta Micheline, a mãe de Bagdá, surpreendendo como atriz, já que conhecida mais como cantora e compositora; Paulette Pink interpreta Gilda, a proprietária do salão, e Gilda Nomacce interpreta Gladys, a dona do bar. Destaque para as ótimas cenas de skate; para as cenas de dança com cara de Bollywood; para a cena do bar, em que as mulheres põem para fora os homens misóginos; para a cena dos policiais, retratando muito bem a violência que a comunidade periférica sofre nas mãos do poder público; mas, a cena primordial, a que dá sentido ao filme, que unifica tudo, que resume tudo, é a cena do "enquadro" das meninas, praticamente a cena final - deliciosa, poderosa, significativa DEMAIS!!!! Vou dizer que, no começo, eu nem estava gostando tanto do filme, estava achando tudo meio "jogado", sem concatenação, mas, ao final, me vi encantada com o resultado. Eu realmente amei o filme e recomendo muito.

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