Filme do dia (151/2024) – “Não Solte!”, de Alexandre Aja, 2024 – Em uma casa no interior de uma floresta, residem uma mãe (Halle Berry) e seus dois filhos, Sam (Anthony B. Jenkins) e Nolan (Percy Daggs IV). A mãe afirma que o Mal se espalhou pelo mundo e que eles são os únicos sobreviventes. Segundo ela, a casa os mantém seguros e, por isso, eles jamais podem perder o contato com ela – quando eles saem para o exterior da residência, eles devem se prender a cordas que estão presas à casa, formando uma linha de vida que os protegeria. Mas Nolan começa a questionar as afirmações de sua mãe.
Como diversos filmes de terror, esta obra abre espaço para interpretações que vão da natureza do Mal à dicotomia crença versus questionamento. O problema é que, embora exista espaço para estas interpretações, o filme traz lacunas difíceis de ignorar, o que tornam tais leituras bastante falhas e vagas. Se o espectador buscar significados para os acontecimentos, ele talvez entenda que tudo ali é uma metáfora do Mal que existe em cada um de nós, que pode ou não se manifestar, dependendo das vivências e da natureza específicas de cada pessoa. Esse Mal, assim, deixa de ser uma entidade consciente como apresentada no filme, mas algo intrínseco do ser humano, que existe em diversos graus e que pode se manifestar de diversas formas. No filme, a mãe tem inúmeras visões malignas que, na minha leitura, são fruto de alguma condição psicológica (ou psiquiátrica, talvez) dela. Ao longo da narrativa, o espectador é informado que ela dizimou sua própria família por acreditar que eles estavam tomados pelo Mal – o que revela que ela própria é esse mal que ela tanto teme. Pensamentos intrusivos da mãe também revelam que ela cogita comer os próprios filhos – já que eles estão passando fome em decorrência de um inverno rigoroso -, o que ela imputa ao Mal como entidade e não como uma condição pessoal dela. Ela age segundo suas crenças tortas, jamais questionando-as. Seus filhos gêmeos, por sua vez, representam a fé cega e o questionamento e, enquanto o primeiro reproduz completamente o comportamento da mãe – incluindo, aí, sua propensão a ceder a condutas ruins -, o segundo “quebra” esse modelo a partir de um movimento racional, mantendo sua integridade e, possivelmente, uma bondade igualmente intrínseca ao ser. Bom... tudo o que eu escrevi até agora indica essa possibilidade de leitura que o filme claramente possibilita, mas que, ao analisarmos com mais cuidado, tem diversos “buracos”, a mostrar que faltou burilar um pouco a obra para ficar “redondinha”. Talvez seja mais feliz aquele espectador que apenas aceite o filme como uma história de terror sobrenatural e não procure significados em nada do que está ali posto, não sei. Independente da escolha assumida pelo espectador, a obra consegue impor uma atmosfera de tensão bastante forte – por ser um terror psicológico, essa atmosfera de tensão está bastante calcada em um sugestionamento no espectador, muito mais do que nos acontecimentos sobrenaturais (que acontecem, mas são bem específicos e pontuais e que podem ou não ser “interpretados”, conforme exposto acima). Gostei bastante da ambientação – florestas, para mim, são sempre ambiente propício para criar tensão, e uma casa no meio dela, pode ser muito assustadora. Gostei também da interpretação do trio – Halle Berry dá vida à mãe e consegue imprimir à personagem um olhar insano e um comportamento obcecado que ajudam a dar significado à obra; os atores mirins Anthony B. Jenkins e Percy Daggs IV – respectivamente Sam e Nolan – mostram um talento indiscutível, deixando bem clara a dicotomia dos dois irmãos: Sam é apático, traz uma maldade natural, demonstra ciúme da mãe com o irmão e é capaz de qualquer coisa para manter sua crença e atingir seus objetivos; Nolan, por sua vez, é ativo, questionador, curioso, ousado, mas, também, bondoso, empático e acolhedor. Bem... é um filme de terror bastante razoável, ainda que algumas lacunas na interpretação tenham me incomodado e sugerido certa “preguiça” em “arredondar” a narrativa. Dá para ver sem se arrepender. Atualmente em cartaz nos cinemas.
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