Filme do dia (38/2021) - "Ophelia", de Claude Chabrol, 1963 - Após a morte prematura do pai de Ivan (André Jocelyn), sua mãe (Alida Valli) casa-se com seu cunhado Adrien (Claude Cerval). Acreditando estar revivendo a história de Hamlet, Ivan vai em busca de justiça.
Nesta obra, Claude Chabrol faz uma releitura da peça shakespeariana "Hamlet". Perdi a conta de quantas vezes vi versões desta peça do autor inglês, desde montagens clássicas no teatro até adaptações cinematográficas diversas, mas esta releitura é realmente inovadora. No filme, sai a dimensão trágica do personagem e nosso Ivan/Hamlet ganha uma perspectiva mais zombeteira, que beira o ridículo. Se Hamlet, em qualquer montagem, traz uma carga dramática poderosa, imbuída de muito sofrimento, nosso Ivan revela-se patético, ainda que permaneça remoendo suas dores e dúvidas. Pela primeira vez, olhei a história de Hamlet por outros ângulos - e admito que me surpreendi com o que vi: eu que sempre enxerguei razão nas ações do protagonista, aqui abracei o lado de seus interlocutores e Ivan/Hamlet me pareceu apenas um jovem mimado, birrento e cruel, atrás de uma vingança vazia por atos imaginários advindos de sua mente doentia. A narrativa traz similaridades com a história da peça, mas distancia-se gradualmente de seu objeto de inspiração, tomando novos rumos, sem nunca perder de vista o original. Formalmente, percebi dois momentos na obra. Até a cena da "festa", a linguagem utilizada é quase neutra, a fotografia P&B é suave, com enquadramentos bem convencionais e a trilha sonora passa quase despercebida. à partir da cena da festa, há uma nítida modificação na linguagem usada e fotografia, trilha sonora e edição de som tornam-se elementos dramáticos na narrativa: a fotografia P&B e passa a ser bem contrastada, com enquadramentos mais criativos e ousados, com vários plongées e contraplongées e aumento da profundidade de campo; a trilha sonora ganha dramaticidade e passa a "aparecer" nas cenas, assim como a edição de som (algo que normalmente não chama muito a minha atenção e que, aqui, começou a chamar). Quanto às atuações, André Jocelyn está presente na maior parte do tempo e interpreta um Ivan débil, frágil, mas, ao mesmo tempo arrogante e cruel, que não desperta qualquer simpatia no espectador, muito diferente do Hamlet clássico. Eu detestei o personagem Ivan, achei-o ridículo e não consegui compactuar com suas ações contra a mãe e o tio; Alida Valli interpreta a mãe de Ivan e, na minha opinião, não conseguiu trazer grande dramaticidade à personagem; Claude Cerval interpreta o tio Adrien e este sim alcançou a espessura trágica necessária ao personagem, principalmente nas cenas finais; Juliette Mayniel interpreta Lucy, que em nada lembra a Ophélia hamletiana, coisa que ela relembra constantemente Ivan, obcecado pela peça de Shakespeare e pela personagem específica. Destaques para a cena da festa, para a estranha cena da árvore de "Polônio" e para a cena do desfecho trágico. Apesar de todo o estranhamento advindo de uma mudança radical de perspectiva, eu gostei bastante da experiência cinematográfica. É bacana e vale a visita.
Curtir
Comentar
Comments