Filme do dia (152/2024) – “Oslo, 31 de Agosto”, de Joachim Trier, 2011 – Anders (Anders Danielsen Lie) é um toxicodependente internado em uma clínica de reabilitação para adictos no interior da Noruega. Ele recebe um dia de licença para comparecer a uma entrevista de emprego e rever amigos e familiares. Mas estará Anders pronto para esse retorno?
Baseado no livro “Le Feu Follet”, de Pierre Drieu La Rochelle (que também inspirou o filme “Trinta Anos Essa Noite”, 1963), a obra retrata um dia na vida do protagonista Anders e aborda questões como depressão e crise existencial de uma forma profundamente sensorial. Poucos filmes me transmitiram tão fortemente a sensação de vazio existencial de um personagem como esse. Anders vaga pela cidade de Oslo, reencontrando amigos e lugares, mas sua busca é interna e infrutífera – ele procura um sentido para sua vida, algo que justifique sua luta contra o vício e a permanência nesse plano espiritual. Enquanto vagueia pelas ruas, parques e casas, Anders presta atenção nas conversas ao seu redor – pequenos fragmentos de vida que, a ele, soam pequenas, estúpidas, fúteis e sem sentido. Ele revê amigos – pessoas que, como ele, fizeram uso de álcool e drogas, mas que seguiram suas vidas, construíram histórias, realizaram sonhos e, ao contrário dele, encheram de significados suas vidas -, mas é perceptível como eles lhe parecem estranhos. Ao conversar com um deles, aparentemente feliz e satisfeito, Anders extrai uma confissão de que nem tudo são flores, dando-lhe a certeza de que tudo é falso e ilusório e de que inexiste saída ou justificativa. Ele procura seus familiares, os quais, talvez exaustos de lutar por ele, o evitam. Recebemos a informação de que seus pais estão vendendo o imóvel da família e intuímos que o motivo disto foram as dívidas contraídas por Anders. Sua irmã também o evita após tê-lo esperado por horas em ocasião anterior. Por mais que busque um espaço, um nicho, Anders não se encaixa em lugar algum, ele é um estranho em meio aos seus. Com um ritmo lento, a narrativa traz uma atmosfera pesada, desconfortável e claustrofóbica – a busca de Anders por um sentido na vida é palpável e dolorosa. Há, ainda, certa tensão resultante de uma possível recaída de Anders aos seus vícios, muito embora ele propague aos seus interlocutores que está há dez meses “limpo”. O filme é muito hábil em transmitir o vazio existencial vivido pelo protagonista e é esse sentimento que norteia suas andanças erráticas pela capital e toda a obra. É um filme que contrapõe extremos – casas noturnas cheias de gente e música são contrapostas a ruas vazias e silenciosas ao amanhecer, enquanto o sentimento de não-pertencimento de Anders transita livremente por tais espaços tão diferentes entre si. Apesar de não ser exatamente um filme silencioso – existe muito burburinho ao redor do personagem -, sua sonoridade ganha um aspecto distante, temos a impressão de estarmos o tempo todo “do lado de dentro” de Anders e desconectados do que lhe é externo. Ainda que o trabalho do ator Anders Danielsen Lie seja bastante correto – sua expressão de angústia está lá o tempo todo e não pode ser ignorada -, esta é uma obra muito autoral, na qual “a mão” do diretor Joachim Trier fez toda a diferença. Como sou muito fã de filmes que me transmitam mais que informações, que me levem a “sentir”, a vivenciar sensações, gostei demais da obra, ainda que veja ali certo “gatilho” para depressão - para quem não tem problemas com esse tema, recomendo demais! Pela minha busca, o filme está indisponível em streaming no momento, mas já esteve na grade da Prime Video e existe uma mensagem de que estará de volta em breve. Até lá, somente em torrent ou mídia física.
Comments