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hikafigueiredo

“Pequenas Coisas como Estas”, de Tim Mielants, 2024

Filme do dia (134/2024) – “Pequenas Coisas como Estas”, de Tim Mielants, 2024 – Irlanda, 1985. Na pequena cidade irlandesa de New Ross, Bill Furlong (Cilian Murphy) é um comerciante de carvão, casado e pai de cinco filhas. Filho de uma mãe solteira, Bill entrará em conflito interior ao ser confrontado com um terrível segredo das freiras locais.  

 




Baseado no romance homônimo de Claire Keegan, o filme retrata uma das principais máculas da igreja católica, as infames “Lavanderias de Madalena” da Irlanda, onde mulheres de todas as idades eram confinadas e escravizadas sob a justificativa de serem “mulheres caídas” – no caso, prostitutas, mulheres jovens que haviam sido seduzidas e engravidado fora do casamento e até mesmo vítimas de estupro. Nestas “Lavanderias de Madalena”, as quais eram administradas por diversas ordens religiosas católicas, as mulheres eram “acolhidas” e, no caso das grávidas, após o parto, tinham seus bebês sequestrados e enviados para a adoção, tudo isso involuntariamente. Todas permaneciam no local, aprisionadas e trabalhando sob péssimas condições, até sua morte.  Na história, acompanhamos Bill Furlong, um carvoeiro que leva uma vida confortável com sua esposa e cinco filhas na pequena cidade de Nex Ross. Logo descobrimos que Bill era filho de uma jovem mãe solteira que, extraordinariamente, não fora enviada para as “Lavanderias de Madalena” por ter sido acolhida por sua empregadora, o que fez com que Bill permanecesse na companhia da mãe. Adulto, Bill presencia algumas situações de moças sendo arrastadas e confinadas no convento local, mostrando-se transtornado com a situação daquelas jovens. A história, assim, discorre sobre entender a própria história e agir no mundo de acordo com tal entendimento, sobre não renunciar a seus princípios, sobre fazer aquilo que se acredita ser o correto, independente das consequências que isso trará, sobre não trair sua consciência e não se deixar calar por medo ou acomodamento. Bill mostra-se um homem de princípios, alguém que intui os horrores que aconteciam dentro das “Lavanderias de Madalena” e que sofre por isso. Ele começa a demonstrar certo posicionamento contrário a tudo isso, mesmo diante do poder da Igreja Católica na Irlanda. O filme, inclusive, expõe a força que a Igreja Católica, cujos tentáculos alcançavam todos os lugares e pessoas. Cabe destacar que esses abusos contra as mulheres estavam intimamente ligados ao patriarcado e ao machismo estrutural, que submetia e calava as mulheres, contando, ainda, com o apoio da religião católica – e, mais uma vez, a gravidez recaindo exclusivamente sobre as mulheres, homens não assumindo sua parcela de responsabilidade e toda a sociedade culpabilizando tão somente as mulheres por tais gravidezes indesejadas. A narrativa é majoritariamente linear, contando com algumas cenas em flashback da infância de Bill. O ritmo é pausado e constante. A atmosfera é de angústia e receio – Bill é contido, fala pouco, mas percebemos que sua cabeça está fervilhando e a tensão de seu rosto revela sua indignação muda. É uma obra muito sóbria – não há arroubos de emoções, falas ríspidas, ou explosões emocionais. Tanto a fotografia em tons quentes, quanto o desenho de produção que utiliza somente cores discretas (preto, branco, cinza e marrom), tudo conduz àquela sobriedade. É também um filme silencioso – a música é rara e discreta, os diálogos também são contidos e há muito espaço para a reflexão do protagonista. Quanto ao elenco, Cilian Murphy dá uma aula de interpretação como Bill, reafirmando todo o seu talento; e Emily Watson está sensacional como a Madre Mary – ela aparece em uma única cena, o suficiente para ser agraciada com o Urso de Prata no Festival de Berlim (2024) pela Melhor Atuação Coadjuvante (diva, nunca errou!). O filme, ótimo, dialoga com outros como “Em Nome de Deus” (2001) e “Philomena” (2013), e mexe com as emoções do espectador. Recomendo demais! Assistido na Mostra Internacional de São Paulo.

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