Filme do dia (98/2024) – “Tão Longe, Tão Perto”, de Win Wenders, 1993 – Cassiel (Otto Sander) é um anjo que vaga por Berlin para confortar os humanos em suas dores e dúvidas. Para salvar a vida de uma criança, Cassiel abdica de sua imortalidade e torna-se humano também. Agora, o outrora anjo, conhecerá, por dentro, as aflições da Humanidade.
Seis anos após o lançamento do maravilhoso e aclamado “Asas do Desejo” (1987), Win Wenders retorna ao universo fantástico e onírico dos anjos para acompanhar a trajetória de Cassiel, antigo amigo de Damiel. No entanto, enquanto o primeiro filme concentra quase a sua totalidade de tempo no mundo não-terreno, esta obra privilegia o ambiente palpável, humano, e foca nas descobertas de Cassiel enquanto um humano. Diferente de Damiel, que optara por se tornar humano por apaixonar-se por uma mulher terrena, tendo tempo para fazer tal escolha, Cassiel torna-se mortal num ímpeto, ao decidir salvar a vida de uma criança. Sem qualquer preparo e sem um objetivo definido, Cassiel perde-se no mundo humano e, conquanto conheça muito bem o caminho do bem, falha miseravelmente seguidas vezes em reconhecer e escolher tal caminho enquanto humano. Se antes Cassiel vagava por Berlin ouvindo os pensamentos erráticos dos mortais, agora é Cassiel quem sofre as angústias da humanidade e sente as dores e delícias de ser humano. A narrativa é prioritariamente linear, ainda que conte com algumas cenas em flashback. O ritmo é dual – na esfera angelical, o ritmo é muito lento, pausado; no ambiente humano, o ritmo cresce consideravelmente e torna-se rápido, ágil. No mesmo sentido, a atmosfera – o âmbito não-humano é onírico, leve, romântico no sentido amplo do termo; o terreno é angustiante e marcado por momentos de tensão. O roteiro, diferente do original, é composto por acontecimentos diversos e, na minha opinião, tem passagens confusas, não sendo tão “amarrado” quanto a obra inicial. Formalmente, continuamos a dualidade do “Asas do Desejo” – a fotografia P&B suave e sem muito contraste marca o ambiente angelical, e a fotografia colorida, bastante saturada, o âmbito humano. Em ambos, a câmera movimenta-se muito, por diversas vezes assumimos o ponto de vista dos personagens, seja durante o voo dos anjos, seja durante a queda da menina, seja no número do trapézio, o que possibilita imagens vertiginosas. A trilha musical é composta por músicas de nomes famosos: Lou Reed, Nick Cave, Laurie Anderson, U2. O elenco traz Otto Sander no papel de Cassiel – o ator está muitíssimo bem como o protagonista, vivendo toda a inconstância e dúvidas humanas, gostei muito de seu trabalho; Bruno Ganz retoma o pape de Damiel, agora vivendo entre os humanos e, claro, é um ator que jamais decepciona; Willem Dafoe interpreta Emit Flesti, uma espécie de guardião dos anjos, que empurra Cassiel para tentações diversas – bom, o ator é escolado em fazer tipos esquisitos e controversos, então tira de letra o personagem; Nastassja Kinski interpreta a anjo Raphaela e, muito embora sua participação seja pequena, sua expressão de pesar pelos humanos é realmente tocante, ela está muito bem; Peter Falk e Lou Reed interpretam a si mesmos; no elenco, ainda, Horst Bucholz como Tony Baker, Rüdiger Vogler como Winter e Solveig Dommartin como Marion. O filme foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes (1993), mas foi agraciado com o Prêmio do Júri neste mesmo festival. Enquanto “Asas do Desejo” era poesia pura, “Tão Longe, Tão Perto” se despe de boa parte desta poesia, ao ponto de ter um pé no gênero ação. Para quem ama a obra original, esta talvez decepcione um pouco – ela é ruim? Não, não é, é um filme bom. Era uma obra necessária? Então, tenho essa dúvida, uma vez que “Asas do Desejo” é um filme perfeito e fechado, que não carecia de qualquer continuação. Certamente “Tão Longe, Tão Perto” não supera o original, quiçá se equipara. Não posso dizer que não gostei do filme, mas não fiquei extasiada como na obra inicial. Recomendo, mas aviso que “Asas do Desejo” é bastante superior. Claro que não está em nenhum streaming, só podendo ser visto por mídia física ou torrent.
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