Filme do dia (30/2024) - “Um Convidado Bem Trapalhão”, de Blake Edwards, 1968– Por equívoco, o aspirante a ator indiano Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers) é convidado para uma exclusivíssima e sofisticada festa de um renomado produtor hollywoodiano. Ocorre que Hrundi tem um talento nato para a confusão e transforma a festa em um evento inesquecível.
Para falar dessa comédia surpreendente, precisamos, antes, situá-la no tempo e tecer alguns senões ao seu respeito. Ainda que ela mantenha certo grau de humor, principalmente pelo talento indiscutível de Peter Sellers, impossível não mencionar o fato de ela ser profundamente “errada” sob um aspecto aos nossos olhos de hoje. À parte a interpretação hilária de Peter Sellers, é indefensável o uso do “brownface” pelo ator (uma variação do desprezível “blackface”) e do estereótipo do estrangeiro ridículo – no filme, o personagem, um ator indiano, é a imagem do desastre e, completamente deslocado na festa grã-fina, ele se torna o “agente do caos”. É curioso o fato desta caracterização não ser imprescindível para a história – por que escolheram um personagem indiano??? Ele poderia perfeitamente ser um estadunidense desastrado, o efeito seria o mesmo para a história. A questão é que, por retratar um estrangeiro em situação ridícula, o filme acaba por ser preconceituoso e até mesmo xenófobo, ao menos numa leitura atual, já que tal discussão era inexistente nos idos de 1968. Assim, feito este aparte e a necessária crítica, podemos nos ater à história que, por outro lado, tem o mérito de construir, bem gradativamente, o desastre completo em uma festa “bacanuda” da “high society”. O divertido no filme é justamente esse ritmo que começa bem vagaroso e que vai tomando corpo à medida em que a festa evolui. O humor utilizado é aquele que se vale do constrangimento – aquela comicidade meio “The Office”, sabe? O protagonista se enfia em situações em que, via de regra, o espectador sente vergonha alheia – e, vamos combinar, Peter Sellers era mestre em fazer esse tipo de humor. Outra coisa que marca no filme é que, embora o personagem seja estereotipado e ridicularizado, o espectador sente enorme empatia por ele – Hrundi é uma simpatia e carrega uma ingenuidade e um bom humor contagiantes. A narrativa é linear, em ritmo crescente. A atmosfera começa sóbria e vai tomando formas de caos até se tornar verdadeiramente anárquica. Gostei demais de toda a caracterização espacial da festa – o ambiente é sofisticado, ainda que profundamente cafona, antecipando um pouco a estética kitsch setentista. A música é suave, os convidados conversam em tom de voz baixo, o típico ambiente chique e desconfortável. As cores do ambiente são suaves, contrastando com o colorido das roupas das convidadas. A fotografia é clara, límpida, inexistindo contrastes de claro e escuro, legando uma sensação quase hospitalar ao ambiente. Toda essa mise-en-scène chicosa vai ser destruída pela ação não intencional do desastrado Hrundi -e, posteriormente, coroada pela presença da filha hippie dos anfitriões e de seus amigos igualmente “outsiders”. A trilha musical de Henry Mancini é um charme extra, assim como a apresentação musical com um pé na bossa nova da personagem Michele, interpretada por Claudine Longet. No final das contas, o filme é divertido e tem um desfecho muito bonitinho. Vale a pena ver, sem perder o olhar crítico para as escolhas equivocadas da época.
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