Filme do dia (65/2024) – “Um Lugar Silencioso: Dia Um”, de Michael Sarnoski, 2024. Sam (Lupita Nyong’o) é uma paciente hospitalar que sofre de câncer em estado avançado. Ela participa de uma excursão à Nova York, ocasião em que um terrível evento ocorre, ameaçando não apenas Sam, mas toda a humanidade.
Prequel do ótimo “Um Lugar Silencioso” (2018), a narrativa começa antes mesmo da chegada das criaturas que assombram toda a franquia. Ao longo da obra, acompanhamos a personagem Sam no doloroso processo de aceitação de sua doença, recuperação de sua história e memória e re-humanização – a protagonista inicia o filme sob intensa revolta, mas os acontecimentos que seguirão serão responsáveis por uma profunda modificação na personagem, em seu estado de espírito e na sua visão acerca da vida e da morte. O filme, assim, trata de valorização da memória, respeito pela própria história, resiliência, aceitação, afeto incondicional, apreço pela vida como um todo e paz de espírito. Muito embora o filme trate de assuntos que remetam aos gêneros terror e ficção científica, a dose de drama existencial é cavalar – espere mais sentir-se tocado do que cenas de jumpscare, ainda que elas existam ao longo da narrativa (e, na real, absolutamente dispensáveis). Com roteiro de John Krasinski, a obra retoma assuntos já expostos nos dois primeiros filmes, em especial o afeto entre membros de uma família – se, em “Um Lugar Silencioso”, o forte era o amor incondicional de um pai, aqui o foco é o reverso da medalha: o amor de uma filha por seu pai e por tudo aquilo que signifique o seu lugar no mundo. A narrativa é linear, em ritmo que se equilibra entre a intensidade das cenas de perseguição e os momentos intimistas, de teor existencialista. A atmosfera, da mesma maneira, alterna tensão profunda com certa melancolia, advinda principalmente do estado irreversível da saúde da personagem. O filme traz um contraste interessante entre os dois personagens principais – de um lado, Sam, decidida, dura, revoltada, cansada de uma vida tomada pela dor física, aguardando o desfecho tão próximo e tão distante e desapegada dos filtros sociais; de outro Eric, frágil, carente, leal, disposto a se arriscar pelo próximo e infinitamente doce – curiosamente, a química entre os personagens e seus intérpretes é inegável. Como é de se esperar de qualquer obra do gênero terror e/ou ficção científica, temos sequências bem pouco verossímeis (para mim, em especial em relação ao gato de Sam), mas nada que estrague a experiência. Formalmente, o filme volta a equilibrar ação/tensão e emoção/intimismo, com relativo sucesso: de um lado, cenas repletas de efeitos especiais, edição ágil, formato de thriller; movimentos de câmera diversos, planos abertos a médios; de outro, cenas com ritmo pausado, sentimentos à flor da pele, planos médios a fechados, drama existencial – não vou dizer que todas as transições funcionam tão bem, mas, no cômputo geral, acho que o diretor conseguiu fazer um trabalho bem razoável. Destaque para o uso emblemático da música “Feeling Good”, da musa Nina Simone. O elenco traz Lupita Nyong’o, divando como de costume como Sam – cara, a atriz é muito versátil, muito expressiva e extremamente hábil em extrair profundidade de qualquer papel que lhe ofereçam; aqui, ela está mais uma vez maravilhosa e impecável; Joseph Quinn também apresenta um trabalho sólido como Eric – ele imprime uma fragilidade tão comovente ao personagem e, ao mesmo tempo, tanta lealdade, tanta integridade, deu vontade de levar o Eric para casa!!!! No elenco, ainda Alex Wolff como Reuben (ótimo) e Djimon Hounsou (aqui só como um gancho bobo para o segundo filme, “Um Lugar Silencioso – Parte II”, 2020). Não vou dizer que o filme não tem alguns equívocos e certas fragilidades, mas eu gostei realmente do resultado – me envolveu e emocionou o suficiente para valer bem à pena. Curti e recomendo. Atualmente no cinema, circuito comercial.
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