Filme do dia (20/2024) – “Vidas Passadas”, de Celine Song, 2023 – Seul, ano 2000. Na e Hae Sung são duas crianças de doze anos e melhores amigos. Os pais de Na resolvem migrar para o Canadá, o que leva ao afastamento de Na de Hae Sung. Doze anos se passam e Na – agora Nora (Greta Lee) – é uma escritora de vinte e quatro anos residente em Nova York. Certo dia, ela encontra pelas redes sociais seu antigo amigo Hae Sung (Teo Yoo) e ambos iniciam uma intensa amizade virtual. Mas talvez isso não seja suficiente para a ambiciosa Nora.
Estou maravilhada como há muito não ficava! Que filme, meus amigos, que filme! A história discorre sobre a relação de Nora e Hae Sung, mas o que poderia ser um banal conto romântico com final feliz como tantos outros acabou por se tornar uma aula sobre encontros e desencontros e sobre a não concretização de uma relação desejada pelos envolvidos. O filme é exatamente sobre o que poderia ter sido – mas não foi. A obra, por seu próprio tema, fala muito sobre a ausência, o “não-ser”, o vazio. Inclusive, identifiquei ao longo da narrativa momentos de contemplação que, na cultura japonesa é chamado de “ma” (o diretor Miyazaki discorre sobre esse conceito de ausência de movimento em uma entrevista e explica que essa não-ação tem um propósito e é essencial para que o espectador compreenda melhor a essência dos personagens e de seus momentos) – diversas são as cenas onde esse conceito (talvez exista algo parecido na cultura coreana, não sei dizer) está presente e os personagens apenas estão lá, existindo, sem fazer nada de especial, mas que causam um impacto bem preciso no espectador. O filme também discorre sobre raízes, diferentes culturas e mudanças (ou não). A narrativa é linear, com dois lapsos temporais de doze anos. O ritmo é sempre lento, contemplativo e muito regular, como as plácidas águas de um lago. Agora, a atmosfera... acho que jamais vi um filme que tenha me deixado tão desconfortável! Desconfortável? Sim! Mas eu explico. Há muitas – MUITAS – cenas de silêncios, assim como existem cenas de diálogos difíceis, que lidam com emoções complexas e represadas dos personagens. Eu tenho problemas profundos com silêncios prolongados – a não ser que eu tenha uma intimidade incomum com o meu interlocutor, o silêncio me é sempre muito desconfortável – e eu senti muito incômodo nessas cenas silenciosas (até porque havia muito a dizer). Compreendo que minha latinidade expansiva tenha dificuldade em acatar o silêncio oriental, mas digo que convivi o filme todo com um nó no estômago. O filme traz diversas cenas em contraluz, com recortes de sombras onde não percebemos os detalhes dos personagens. Também temos muitas (MUITAS) cenas de detalhes – uma poça d´água, uma janela, um celular – quase sempre com aquele momento de pausa já mencionado. O trio de atores principais está estupendo, principalmente porque são interpretações discretas, onde pequenos detalhes fazem a diferença – não há explosões de emoções, naaaaaah – tudo é muito sutil e pausado. Como Nora – a coreana já não mais tão típica-, temos uma excelente Greta Lee. A sinceridade da personagem é quase dolorosa. Quase uma ova, é completamente dolorosa. No papel de Hae Sung, o delicado Teo Yoo – o personagem é tão sensível, ele é tão doce, saí do filme tocada por ele! E no papel de Arthur, o ator John Magaro – raras vezes vi um personagem tão resiliente como este (queria falar diversas coisas sobre ele, mas não quero me afundar em spoilers). O filme foi indicado em diversas categorias tanto do Oscar(2024), quanto do BAFTA(2024), Globo de Ouro(2024) e Critics’ Choice Awards (2024) (mas teve o azar de estar concorrendo com “Anatomia de Um Crime”, 2023). Olha... o filme é lindíssimo, sensível, profundo como poucos. Desconfortável (para mim), mas incrível. Eu simplesmente amei e eu o acho obrigatório. Aproveitem que está no cinema (fev/2024).
Comentarios